terça-feira, 30 de junho de 2009

O Dia em que papai salvou Jesus

Em uma manhã qualquer na década de 80 um grupo de comissários de menores subia um dos inúmeros morros da cidade de Mauá. A missão era de rotina, a busca de um menor infrator. O frio e a garoa fina não impediram que as donas de casa saíssem aos portões para acompanhar a movimentação. Esses cavalheiros, vestindo terno e gravata, educados e atenciosos, representavam para essas pessoas a idéia de que o estado não havia lhes abandonado completamente. Dessa forma os comissários descobriam o possível paradeiro do menor e quaisquer outros problemas que por ali aconteciam. O chefe da equipe, atentando ao fato de que próximo dali ouvia um choro constante, perguntou sobre o que acontecia. Foram informados de que a mãe da criança que chorava, costumava trancá-la enquanto saia para as festas de carnaval.
O barraco tinha pouco mais que 4 metros quadrados. A janela estava fechada impossibilitando a visão interna. A frente da única porta, um vira latas ameaçava atacar qualquer um que se aproximasse da casa. Depois de algumas tentativas, a porta foi arrombada. O primeiro a entrar foi o mesmo senhor que havia atentado para o choro. No chão próximo a porta, uma linda criança, cabelos loiros cacheados, olhos claros de aproximadamente 3 anos havia parado de chorar, e agora sorria ao ver uma figura humana. A criança estava nua e suja com suas próprias fezes. No canto direito, outra criança, com uns 7 anos, amarrada em uma cadeira. Pés juntos, braços abertos e a cabeça caída para o lado. Após anos trabalhando como comissário de menor, habituado ao trabalho armado e a lidar com todo o tipo de situação nosso herói da justiça sentiu em seu peito uma dor jamais sentida. Engoliu seco, como a profissão exige, ordenou a retirada da criança menor, e ele mesmo desamarrou a outra, carregando-a no colo até a viatura.
Dois dias depois, a mãe das crianças foi ao fórum. Acompanhada da assistente social, a mãe foi levada a sala dos comissários. Um ambiente pequeno, com apenas um armário e uma mesa. Pendurado na parede, um quadro com um pássaro voando e os dizeres “A liberdade não se compra, se conquista”. Sentado atrás da mesa, um senhor de 40 anos, magro e de rosto jovem, apesar dos cabelos completamente grisalhos folheava um processo. Era o chefe dos comissários. Ao saber do que se tratava, a expressão de seu olhar fez com que a mãe começasse a gaguejar. A assistente conhecendo o temperamento desse senhor, se apressou em dizer que a mulher desejava saber quando poderia ver seus filhos novamente. A resposta veio rápida: “No que depender de mim, nunca mais”. O Juiz ordenou que as crianças fossem entregues ao orfanato. A criança loirinha logo foi adotada. Ao irmãozinho mais velho restou a vida entre outras crianças com histórias parecidas.
Alguns anos após o acontecido, um grupo de funcionários do juizado da infância e da juventude foi fazer uma visita as crianças desse orfanato. Entre muitas crianças querendo abraços, beijos e um minuto de atenção uma delas gritou: Tio Balbino! Silêncio entre todas as crianças. O chefe dos comissários de menores virou ao ouvir seu nome enquanto as outras crianças perguntavam ao garoto se ele realmente o conhecia. Claro que conheço o tio Balbino. Ele quem me desamarrou e me deu o apelido de Jesus Cristo. Foi ele quem me salvou.
José Balbino da Silva, servidor público da justiça do Estado de São Paulo, puxou o garoto para um canto, o abraçou e finalmente, após 20 anos nessa profissão se deu ao direito de chorar em trabalho.