terça-feira, 21 de julho de 2009

Um brinde aos incompetentes

Enquanto os competentes dedicam toda sua vida a fazer com extremo afinco e constante busca pela perfeição aquilo que se propoem a fazer, eles, os aqui chamados incompetentes, passam a vida na mediocridade.
Nunca foram os melhores ou tão pouco os piores em seu meio. Ser o pior exige um tipo de destaque que não lhes cabe na personalidade.Ao contrário dos Imãs, os iguais incompetentes se atraem. Não para criar algo de valor, mas apenas para se defenderem caso algum competente engraçadinho resolva aparecer. Na verdade, nesse momento os incompetentes até conseguem ser um pouco competentes, já que não há pessoa competente que seja capaz de sobreviver a tamanha incompetência instaurada. O competente então se afasta, se isola e dependendo do grau de desenvolvimento até mesmo se questiona se não há algo errado com sua competência.
As vezes, com um pouco de sorte, alguns competentes exilados conseguem se encontrar. Reclamam da situação caótica criada pelos incompententes. Cada um apresenta sua versão indignada e quase espumante das injustiças sofridas, dos erros banais cometidos e da falta de perspectiva de um mundo livre desses seres. Ao fim da conversa um dos competentes balança os ombros e diz algo parecido com um "É assim mesmo" e todos voltam para suas ilhas sem nada resolver.Assim, vejam a irônia das coisas, se é que isso é irônico. Os incompetentes são salvos pela incompetência dos competentes.

sábado, 18 de julho de 2009

Vou sentir falta dela

Tivemos um relacionamento de um ano. Como em muitos dos meus relacionamentos, no começo eu relutei em aceitá-la. Em muitas manhãs, despertava decidido a me livrar dela, acabava machucando-a e com dó de mim mesmo, desistia e a aceitava. Sempre fui acomodado com essas coisas, então resolvi conviver com ela. Alguns amigos mais próximos chegaram a me questionar sobre sua persistência em continuar comigo. Sem uma resposta exata, apenas dizia que havia me acostumado com ela. Assim, convivemos diariamente por um ano. Poderia dizer que quase pacificamente, não fosse ela me lembrar de sua existência todos os dias eu certamente não teria decidido me livrar definitivamente de sua companhia.
Aproveitei o momento de férias, de modo que não seria necessário dar muitas explicações aos amigos que ainda me preocupo em dar explicações e simplesmente a arranquei de minha vida. Sinto falta dela, mas estou seguro que fora a decisão mais correta a ser tomada.

O laudo da biópsia ainda não está pronto, mas a danada dessa verruga me custou algumas lágrimas e três pontos no nariz.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Compreensão

Olhou para o relógio, Gabriel estava atrasado. A reunião mal havia começado e as coisas não iam nada bem. Indignado, Lúcifer pedia a completa destruição da humanidade. Em menos de 15 minutos, uma enorme quantitade de provas fora apresentada. A diferença entre essa e as outras vezes em que isso havia sido pedido, é que pela primeira vez a maioria dos que estavam presentes concordavam com ele.

Embora estivesse propenso a aceitar o pedido, Deus com a cabeça voltada para cima e de olhos cerrados, cruzava os dedos para que uma luz lhe clareasse as idéias. Nesse exato momento, Gabriel abriu a porta e um pouco ofegante, pediu desculpas pelo atraso. Não havia conseguido nada que justificasse a continuidade da existência dos seres humanos no planeta. Lúcifer, sorrindo, deu um abraço em Gabriel e beijando lhe o rosto disse estar feliz por ele finalmente ter compreendido. Gabriel, também sorrindo, disse ter apenas um pedido a fazer;

- Gostaria que você e papai me acompanhassem nessa última noite.
- Claro, para onde você quiser ir meu irmãozinho. respondeu Lúcifer.

Deus olhou para os dois. Estava certo de que Gabriel tramava algo, mas decidira participar como observador.


Gabriel lhes informou que iriam a um concerto. Todos sabiam que ele havia sido um exímio trompetista na época em que a humanidade ainda não existia, mas fora obrigado a deixar seu instrumento de lado ao assumir a direção executiva do céu. Mesmo muito ocupado, acompanhara sempre a evolução musical na terra. Naquela noite, uma prestigiosa orquestra na cidade de Lucerne - Suiça tocaria seu compositor predileto; Gustav Mahler.

Deus ficou contente com a idéia de assistir em pessoa a um concerto. Logo adquiriu a figura de uma menina de 12 anos com traje próprio para a ocasião. Lúcifer, que não era muito chegado a música, optou também pela figura feminina. Uma mulher de 30 anos, linda como quase nunca vista. Com o habito de enfernizar a todos, levou duas longas horas para se arrumar. Após ver a imagem de Lúcifer e Deus, Gabriel transformou-se em um belo homem vestindo terno. Assim, nossos três personagens sairam céu afora.

Devido ao atraso de Lúcifer, quando chegaram a Lucerne a orquestra acabara de tocar o 5 movimento da 3 sinfonia de Mahler. Um pouco triste com isso, Gabriel ainda fora obrigado a realizar alguns pequenos milagres para conseguir três bons lugares. Mal haviam sentado o 6 e último movimento começou.



Deus, atento a todos os detalhes, olhava para Gabriel e Lúcifer e sorria. Gabriel, com os olhos fechados, absorvia aqueles sons iniciais. Quem o observasse pensaria que ele rezava enquanto ouvia música. Lúcifer permaneceu indiferente, na verdade, aquelas cordas tocando pianíssimo e lento lhe estavam deixando completamente entediado. Os 4 primeiros minutos foram uma eternidade para ele, até que algo estranho aconteceu. Um solo de oboé e outro de trompa o fizeram sentir uma dor estranha. Lúcifer, acomodou-se melhor na cadeira e passou a prestar mais atenção a música.


Ainda sem compreender a dor que sentia, Lúcifer esquecera toda a felicidade que estava sentindo com sua vitória. Não conseguia aceitar, que aqueles humanos, todos pecadores, pudessem causar sensação tão estranha em seu peito, ao mesmo tempo não conseguia parar de ouvir.



Ao final da sinfonia, Lúcifer chorava copiosamente. Buscou Deus com seus olhos, e viu uma menina brincando de reger uma orquestra imaginária. Gabriel, sorrindo, deu lhe um abraço e beijando lhe o rosto disse estar feliz por ele finalmente ter compreendido.

Assim, nossos três personagens sairam terra afora. Gabriel e Lúcifer de braços dados e Deus caminhando como se pulasse amarelinha.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Pequenas loucuras

Após três dias de completo confinamento descobri algumas coisas interessantes.

Não sou tão maluco quanto imaginava. No entanto, o grau de loucura encontrado ainda não é bem visto pela sociedade. Ou seja, sou mais um excluído, faço parte de uma minoria. Ao constatar esse triste fato resolvi "sair da gaveta". Já que os gays saem do armário achei mais prudente um louco sair da gaveta. Não é uma questão de preconceito, apenas uma necessidade de espaço mesmo. Uma questão me apareceu enquanto escrevia: De onde devem sair os malucos gays? Acho que a gaveta de um armário é uma boa saída...

Desconsidero aqui as loucuras clássicas: Falar sozinho, andar só no quadradinho da calçada (e variantes) e etc.
Mas como disse antes, não sou tão louco como gostaria de ser. As minhas loucuras são um pouco sem graça.

Exemplos:

Quando estou vendo tevê e alguém vai passar por uma situação que eu sentiria vergonha sou instigado a mudar de canal e preciso argumentar para mim mesmo que isso é uma bobagem. Se estou sozinho acabo mudando de canal.

Odeio chegar depois de todo mundo e ter que cumprimentar pessoa por pessoa.

Toda vez que estou em um metrô meu trompete corre sérios riscos, fico imaginando o que aconteceria se o jogasse na plataforma segundos antes do trem chegar. O mesmo acontece em pontes e edifícios pequenos, se for muito alto não vou poder ver de perto o estrago. Acho que o som do instrumento sendo destruído me atrai. Ainda na área musical tenho vontade de arremessar um bocal na cabeça de um maestro. Na verdade a cena seria a seguinte: a orquestra tocando em pianíssimo, todos aguardando o "dolce" solo de trompete e eu fortemente toco algo parecido com mariachis. Depois disso jogo o bocal no maestro. É claro que isso só faz sentido se todos permanecerem sentados em seus devidos lugares.

Descobri que realizei quase todas minhas fantasias sexuais. Só ficou faltando transar com a mulher maravilha (daquele seriado da década de 70) mas fiz as contas e ela passou da idade máxima permitida para participar de qualquer fantasia.

Mudei meus critérios de seleção feminina, mas o 1ª regra permanece a mesma.

- Nunca fique com uma mulher com mais bigode que você. Infelizmente essa regra só foi instaurada após meus 20 anos... ARGH

Após todas essas reflexões apenas uma questão insiste em martelar minha cabeça:

Qual será o motivo de tantas mulheres gostarem de esmalte vermelho?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Buzinas

Ela havia começado a trabalhar na empresa ferroviária havia pouco menos de um mês. O trabalho era árduo, mas como tudo ainda era novidade, ela o fazia com muito prazer. Já habituada aos andamentos daquela estação, a única coisa que a intrigava eram as constantes buzinas que soavam a poucos metros dali. Embora estivesse certa de que era uma locomotiva, ela desconhecia o fato de que alguma delas pudessem emitir tamanha quantidade de sons. Questionou entre suas novas colegas de trabalho, e uma senhora com quase 30 anos de casa lhe informou que não se tratavam de buzinas. Eram os sons de instrumentos musicais que vinham da construção ao lado. Uma orquestra ensaiava ali.

Nossa amiga ficou admirada. Nunca havia ouvido falar de uma orquestra, mas com esse nome sabia que só poderia se tratar de algo grandioso. A mesma senhora lhe explicou o que era, como funcionava e disse ainda que a orquestra que trabalhava ao lado delas, era tida como a melhor do país. Ela não podia se conter de felicidade. Seu primeiro emprego ao lado de tão prestigiosa organização.

Passou a esperar suas pausas com enorme expectativa. Todos os dias, sons distintos e belos lhe chegavam ao coração. Ela sonhava em poder assistir a um concerto, mas sabia ser impossível. Resignada, voltava ao trabalho suspirando e cantarolando em sua mente algumas melodias que acabara de escutar.

Um belo dia, uma grande surpresa. Um cartaz anunciava a apresentação de um pequeno grupo de músicos dessa renomada orquestra em uma de suas estações de trabalho. Conversou com suas amigas e arranjou para que estivesse presente naquele momento.

Pela primeira vez podia ver e ouvir de perto aqueles sons que tanto a encantavam. Ficou quietinha, observando todos os detalhes. O prazer com que eles pareciam trabalhar e a felicidade que transmitiam lhe renovou todos os ânimos. Ao final, enquanto todos aplaudiam, nossa amiga não se conteve, e com duas fortes apitadas, despediu-se dos artistas e prosseguiu com seu trabalho de locomotiva.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Casualidade

Cientista renomado, havia passado toda sua vida adulta dentro daquele laboratório. Gênio, de poucos amigos e histórico de relacionamento amoroso inexistente, possuía inúmeros tipos de TOC – transtorno obsessivo compulsivo. Suas anotações eram todas feitas em código, criado por ele mesmo aos 11 anos de idade. Desde criança sabia ser dotado de enorme inteligência e, ainda nesse período, resolvera contribuir de maneira significativa para a humanidade. Buscava a cura do câncer.

Nosso herói olhou o calendário em cima da bancada e fez a conta. 21 dias desde a última vez que sentiu a luz do sol batendo em seu rosto. Descabelado, a barba rala e fedendo, só não era confundido na rua como mendigo, por seus trajes ainda brancos. Finalmente a solução fora encontrada. Como em outras famosas descobertas, a resposta estava diante de seus olhos todo o tempo, mas isso já não importava. Era preciso espalhar a notícia.

Contar para quem? Seus poucos amigos estavam também trancados em outros laboratórios em suas buscas individuais, quaisquer outros não alcançariam compreender o caminho percorrido por ele. Absorto em seus pensamentos enquanto caminhava, nosso herói foi atropelado.

Modelo internacional, havia passado toda sua vida, desde a adolescência em cima das passarelas. Constantemente badalada, vivia cercada por pessoas que sabia pouco além do nome. O trabalho extremamente desgastante tinha suas recompensas. A pequena fortuna que havia acumulado lhe servia de estímulo.

O médico tentou suavizar a notícia perguntando-lhe sobre suas crenças religiosas. Não havia nada a fazer. Dias, alguns meses no máximo. Em sua cabeça, a voz do homem de jaleco que estava a sua frente ecoava com a palavra sinto muito. Ela precisava de alguém que a abraçasse, mas quem?

Entrou em seu carro e ao sair do estacionamento atropelou um homem.

O choque não foi forte, mas o som do crânio batendo no meio fio pode ser ouvido à distância. Desesperada, saiu do veículo e se ajoelhou ao lado do corpo estendido. Sem nenhuma outra reação, o colocou em seu colo e chorou acariciando o rosto pálido do homem desconhecido.