sábado, 22 de maio de 2010

Herança genética

Essa semana fiz 30 anos. O verbo fazer nesse caso é utilizado apenas por falta de outro, já que a passagem dos anos independente do que se faça.

Por herança genética, herdei muitas coisas de meu pai. Sempre fui ruim no futebol, sou quase sempre bem humorado, mas alguns dias fico tão insuportável que não falo comigo mesmo. Possuo cabelos brancos desde os 15 e certamente terei problemas de enfarto após os 50. Pensei nisso e em várias outras coisas enquanto olhava para o primeiro fio de cabelo branco naquilo que ouso chamar de barba.

Lembrei do meu avô. Viveu uma quantidade de tempo que me deixaria satisfeito, e o melhor de tudo, teve filhos até poucos meses antes de sua morte. Não que eu pretenda contribuir para o excesso de contingente no planeta, mas saber que não chegarei ao fim da vida jogando sinuca com um pedaço de corda nas mãos foi de certa forma um alívio.

Para os ávidos leitores que não entenderam a questão da sinuca. Pensem um pouquinho, qualquer coisa depois explico.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Brilho no olhar

Voltava para casa após uma longa e cansativa viagem de trabalho. Para melhorar meu humor, a única poltrana livre no ônibus era a de número três, aquela que fica colada no pescoço do motorista. Não só me irritava a posição da poltrona, como saber que o ônibus estaria lotado me fazia visualizar crianças chorando e pessoas felizes conversando alto. Me contentei com a sorte de estar longe do banheiro. Este com certeza se tornaria tão cheiroso quanto Paris no século XVIII em menos de cinco minutos de viagem.
Sentei em meu lugar e por não ter nada que fazer fiquei sorrindo para as pessoas que entravam. Notei que lá fora, um casal de aproximadamente 80 anos conversava de mãos dadas e o marido volta e meia beijava levemente a testa de sua senhora. O motorista entrou no ônibus, ligou o motor e os últimos passageiros entraram.
Para minha surpresa o casal se despediu na porta e a doce senhora calhou de sentar ao meu lado. Não é impressionante a facilidade como algumas pessoas começam uma conversa com um estranho? Não sei como, mas essa senhora passou a me contar sua vida. Descobri que aquele homem que a acompanhava, fora seu primeiro namorado. Se conheciam a 64 anos. Ela do interior, ele da capital. Trocaram olhares na praça central da cidadezinha que ela vivia e ele visitava. Apaixonados ela consentiu que ele pedisse a sua mão em namoro ao seu pai, e assim começaram a se conhecer. Durante oito anos trocaram cartas semanalmente, mas sendo os dois de origem humilde e os tempos difíceis, se viam por apenas alguns dias a cada seis meses, mesmo assim era namoro de pegar na mão e olhe lá, fez questão de resaltar essa senhora com um risinho de quem sabe o que acontece hoje em dia. Ela me contou tudo, todas as felicidades e sofrimentos de sua vida. Todas as vezes que ela falava de seu marido eu podia ver em seus olhos o brilho da mesma menina que o conheceu.
Nos despedimos e fui para casa disposto a encontrar a mulher da minha vida. Queria viver um amor assim, esperaria o quanto fosse necessário. Escreveria cartas ao invés de e-mails para que nosso amor pudesse ser encontrado em uma caixa de sapatos por nossos netos. Ao chegar em casa, ainda com os olhos marejados de lágrimas contei tudo que havia ouvido. Como resposta, escutei que naquele tempo era assim mesmo, os homens namoravam santinhas mas viviam em bordeis. Que a pobre senhora devia ter sido enrolada a vida toda. Enxuguei o pouco de lágrima que restava em meu rosto e disse que ela tinha razão. Seus olhos não tinham mais o brilho da menina que conheci.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Primatas

Tenho profunda admiração pelas comunidades formadas por macacos bonobos. São a espécie mais pacífica entre os outros primatas. A explicação pra isso? Sexo. Esses macaquinhos chegam a ter mais de 15 relações sexuais ao dia. Quando grupos de comunidades distintas se encontram, ao invés das esperadas brigas que acontecem em outras sociedades, os bonobos comemoram o encontro com grandes orgias.

Foi pensando nos bonobos que me lembrei da história que passo a narrar. Primeiramente preciso esclarecer alguns fatos: A história que será contada não aconteceu comigo e sim com um amigo meu. Não vou buscar termos mais delicados para a narrativa, por isso, é bom tirar as crianças da sala. Uma vez dados os avisos necessários lá vamos nós.

Filho de um conceituado pastor evangélico, esse amigo é sem dúvida o mais pervertido de todos os amigos que já tive. Não uso a palavra pervertido com o intuito de denegrir a imagem dele, apenas preciso dar lhes uma idéia rápida do perfil do rapaz.

Aos 15 anos, ele era responsável pela primeira vez de quase todas as meninas que conviviam conosco. Bem dotado de falo e de lábia, a frase que mais usava com as garotas era algo do tipo: "Se me ama de verdade, você vai até o final". Ele nos contava isso rindo. Brincávamos dizendo que ele era o tipo de cara que se pudesse encoxava a mãe no tanque, nunca tive dúvidas sobre isso.

Embora tivesse possuído centenas de mulheres nos anos seguintes, uma insistia em não ceder a suas investidas. Filha de outro conceituado pastor, a santinha, como era conhecida em sua comunidade nunca lhe deu muita atenção. Moça bonita, de modos delicados e sorriso singelo, conquistou o coração do nosso cavalheiro. Determinado a conquistá-la, deixou de lado a vida promíscua, tirou o pó do paletó e durante um ano frequentou a igreja todos os dias. Converteu-se verdadeiramente e por obra divina a moça finalmente cedeu aos seus encantos.


Na primeira noite juntos, Enquanto nosso herói procurava possui-la cheio de cuidados para não machucá-la, nossa donzela já um tanto quanto impaciente, lhe disse em alto e bom tom: "COSPE".

E pensar que ainda existem aqueles que não acreditam na nossa semelhança com os outros primatas...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Semi Ateu? (parte 2)

Embora me julgasse livre, muitos dos conceitos cultivados em casa foram se pregando em minha personalidade como trepadeira no xaxim. Se soubesse o trabalho que despregar isso me daria, teria me esforçado em aceitar sem questionar. Não digo que sofri muito, mas um pesinho na consciência volta e meia aparecia. Durante anos precisei me questionar sobre o que fazia ou não sentido.
Hoje, segundo meus últimos cálculos, sou um semi - ateu. Não pesquisei se essa denominação existe, mas acho que é um termo apropriado para a minha situação. Não acredito em quase nada, mas também não posso afirmar que nada existe. Acho que ser semi ateu é um tipo de garantia, um pouco covarde é verdade, mas vai que o mundo acabe e tudo era verdade? Nesse caso, eu teria ao menos uma chance de me explicar...
Acho que uma das minhas únicas certezas sobre fé estão baseadas quanto ao fim do mundo. Não foi preciso me basear em nenhum livro sagrado, bastou analisar com um pouco de atenção as atrocidades que já foram cometidas em nome de algum Deus nesse nosso mundo.
Assumir isso ainda hoje exige uma certa coragem. Afinal, se as coisas não mudarem, é bem provável que em breve as fogueiras da inquisição queimem esse herege que vos escreve.

Semi Ateu?

A primeira lembrança que tenho sobre a religião em minha vida, é a imagem das minhas irmãs me agarrando e forçando a beijar uma santinha de "Nossa Senhora". Esse ritual se repetia todas as noites antes de dormirmos. Era preciso beijar a santinha algo entre 10 ou 15 vezes. Enquanto eu não fizesse isso, elas não me deixavam dormir. Partir para a briga era sempre uma opção desastrosa. Além de apanhar das duas, ainda apanharia de papai, pela bagunça no quarto aquela hora. Beijava a bendita, e com um ódio mortal adormecia.
Lembro me vagamente de algumas procissões e de ter acompanhado minhas irmãs em algumas poucas aulas de catecismo. Saber que dentro de alguns anos seria obrigado a fazer aquelas aulas me deixava apavorado, mas mesmo usando de toda a minha sabedoria infantil, não conseguia encontrar uma saída para isso.
A parte boa eram as viagens anuais a cidade de Aparecida do Norte. A rua toda se transformava na noite anterior. Vizinhos entrando uns nas casas dos outros, emprestando malas, tratando de decidir quem faria o Cuscuz e quem seria responsável belo bingo jogado dentro do ônibus. Uma aventura que qualquer criança de 6 anos não perderia por nada. O único inconveniente é que por ser pequeno, era obrigado a dividir um banco de dois lugares no ônibus, justamente com minhas irmãs. Pra melhorar a situação, elas sempre me acordavam ao passarmos em frente a uma fábrica de caixões e ficavam me contando histórias sobre as inúmeras cruzes que viamos na estrada.
A cidade estava sempre lotada, e era um verdadeiro inferno chegar até dentro da igreja. Pelo que eu entendia na época, esse sacrifício já fazia parte do processo de pagar os pecados. Que pecados? Acho que o meu maior pecado até então era o de odiar ter que participar de tudo aquilo. Não é preciso dizer que dormia durante toda a missa. Na verdade, passava por tudo aquilo com uma certa indiferença. Ficava apenas desperto e empolgado com o sorvete de "Itu" que mamãe sempre comprava pra gente e com a sala dos "milagres", um espaço onde as pessoas deixavam capacetes, pernas e braços de gesso, cabelos e uma enormidade de outras quinquilharias referentes aos "milagres" alcançados. Aquilo sim era diversão.
Lembro me também de uma senhora que mamãe visitava, e que dava "passes" mediúnicos. Uma vez, estando eu um pouco febril, mamãe aproveitou para que ela me desse um passe também. Perguntei a minha mãe o que era aquilo. Não lembro da explicação, mas lembro dela ter dito algo sobre a pessoa conseguir saber o que tínhamos e o que pensávamos. Fiquei apavorado, já que tudo que havia pensado durante o passe foi "Que merda é essa?".
Com 11 anos, o momento de ter que fazer o curso de catequese se aproximava, e ainda não havia descoberto um jeito de me safar. Foi nesse ano que mamãe ficou muito doente durante vários meses. Pela primeira vez fiz um pacto com a bendita santinha. Já havia beijado a pobrezinha durante vários anos, e se ela curasse a mamãe faria o curso de catequese e a beijaria por toda a minha vida. Com um rosário na mão me ajoelhei algumas vezes ao lado de minha mãe na cama, e chorando muito, lhe pedi que me ensinasse novamente a rezar o pai nosso e a ave maria que nunca conseguia decorar.
Felizmente alguns meses depois mamãe recuperou-se bem, no entando nossa familia agora havia passado de católicos-kardecistas para protestantes. Todo um mundo novo de conceitos religiosos adentrou a nossa casa. Papai jogou fora, ainda que sobre protestos de minhas irmãs, todos os tipos de santos que tinhamos em casa. Umas senhoras bem humoradas, da nova igreja passaram a nos visitar todos os dias nos ajudando nos cuidados que mamãe ainda necessitava e enquanto faziam as tarefas da casa cantavam uns hinos com belas melodias. Estava gostando bastante daquela mudança, além de não ter mais que beijar santa alguma e estar finalmente livre da catequese, a casa agora vivia cheia de visitas e com música. A minha felicidade durou até saber que nós não comemoraríamos mais o natal, não iríamos mais a praia e a televisão estava correndo um sério risco de ser extinta em nosso lar. Pelo que entendi na época, os costumes dessa nova igreja eram muito mais estranhos e severos que na antiga. Papai passou a me acordar cedo aos domingos para o culto de jovens. Um povo estranho, meninos da minha idade usando terno em pleno domingo de sol e meninas com cabelos gigantescos. Mal havia escapado da catequese e já me via as voltas com outro martírio.
Costumo dizer que a música foi minha salvação. A Banda onde comecei a estudar trompete tinha ensino gratuito, porém a participação nos ensaios aos sábados durante todo o dia e domingos pela manhã era obrigatória. Novamente as opções não eram o que exatamente podemos chamar de boas: 1 hora e meia sentado dentro de uma igreja com a bíblia na mão ou 4 horas marchando no sol subindo e descendo as ladeiras da cidade de Mauá. Casualidade ou não, em menos de um ano havia me tornado um dos mais dedicados trompetistas daquela coorporação musical.
Os anos que se seguiram foram surpreendentemente calmos. Embora questionasse com certa ironia algumas contradições na nova religião da minha família, a banda ocupou de tal maneira o meu período de adolescente, que nós não tivemos maiores atritos. É claro que minhas irmãs novamente tentaram me enfiar a nova educação religiosa goela abaixo, mas estando agora maior, as brigas fisícas não eram tão desiguais e eu ainda levava vantagem ao poder me agarrar em seus cabelos compridos. Normalmente elas desistiam quando eu dizia que preferia beijar a santinha. Encandalizadas, pediam perdão por mim em suas orações.
(continua)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Meus avós

Nunca tive avós. O leitor mais atento perceberá que esse texto já começa errado, afinal, qualquer ser humano vivente ou que já viveu por esse planeta já teve avós, antes disso bisávos e antes disso tataravós. Assim sucessivamente até chegarmos em Adão e Eva, ou para os mais esclarecidos em algum casal de primatas peludos. O que quis dizer é que nunca os conheci. Corrigiria o texto, mas isso hoje não me apetece.
Minha avó partena foi a primeira a falecer, quando papai ainda contava seus 5 anos. Meu avô materno, foi o segundo. Mamãe havia acabado de fazer 16 anos. Filha única, teve de arcar com a responsabilidade de sustentar a casa e cuidar de uma mãe abatida pela viuves e as tradicionais doenças que acompanham a idade. Se não estou enganado, meu avô paterno é o terceiro nessa lista fúnebre. Em época onde as distâncias eram realmente distantes, parece que papai recebeu a notícia acompanhada com uma foto de meu avô deitado no caixão. Descobri mais um erro no texto. Eu conheci sim, pelo menos um dos meus avós. Minha avó materna faleceu quando eu tinha 6 meses de idade. O fato de eu não lembrar, não me permite dizer que não há conheci. Sinto muito digníssimos leitores, mas como disse antes, a correção de texto não será feita hoje.
Durante algum tempo, tentei buscar com meus pais algumas informações para que pudesse formular, nem que fosse um simples esboço, da personalidade dos meus avós. Consegui algumas coisas, mas acho que o medo de magoá-los com essas lembranças me impediu de ir mais fundo em minhas investigações. Acho que mesmo que conseguisse maiores informações eu não alcançaria meu real desejo. Não tinha o interesse em descobrir grandes feitos realizados por meus ancestrais, tão pouco me seria útil uma análise de pedigree. O que eu realmente gostaria de saber era o que pensavam eles sobre os mais diversos assuntos. Quais sonhos tiveram? Será que os realizaram? Se consideravam felizes ao final da vida? Haviam questões que os intrigavam? Infelizmente estas questões permanecerão sem resposta.
Embora não tenha a pretensão de ter filhos logo, espero que eles possam fazer essas e outras perguntas aos seus avós. Por via das dúvidas vou deixando meus pensamentos por aqui aos netos que um dia vier a ter.

O Homem das chaves

Tinha estudado muito e resolvi dar uma caminhada. As ruas do bairro Bom Fim em Porto Alegre são muito agradáveis pra isso. Uma quantidade razoável de árvores e nessa época do ano encontramos uma enorme quantidade de florzinhas roxas caídas no chão.Ando razoavelmente distraído nesses passeios, não é muito difícil não pensar em nada absolutamente, ou em coisas vagas e normalmente volto a estudar bem relaxado mas sem nenhuma lembrança especial.
Esse dia foi diferente. Quase no fim do passeio me deparei com um homem alto e negro, com cabelos "rastafari". Não estava bem vestido, mas deixava a dúvida se era um morador de rua ou um cantor de reggae, inclusive, seu andar podia perfeitamente ser acompanhado por uma trilha com esse estilo. O que realmente me intrigou foi que esse homem possuía um molho de chaves gigantesco em suas mãos. Durante alguns minutos fiquei pensando o que faria esse indivíduo com tantas chaves na mão. No fim pensei: Tantas chaves e tantas casas. Essas chaves não abrem as portas que aqui estão e esse homem com todas elas dificilmente deve ter um lar. Ele virou a esquina no caminho contrário e eu segui o caminho de volta aos meus estudos. As vezes ainda lembro do som das chaves.