quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Brilho no olhar

Voltava para casa após uma longa e cansativa viagem de trabalho. Para melhorar meu humor, a única poltrana livre no ônibus era a de número três, aquela que fica colada no pescoço do motorista. Não só me irritava a posição da poltrona, como saber que o ônibus estaria lotado me fazia visualizar crianças chorando e pessoas felizes conversando alto. Me contentei com a sorte de estar longe do banheiro. Este com certeza se tornaria tão cheiroso quanto Paris no século XVIII em menos de cinco minutos de viagem.
Sentei em meu lugar e por não ter nada que fazer fiquei sorrindo para as pessoas que entravam. Notei que lá fora, um casal de aproximadamente 80 anos conversava de mãos dadas e o marido volta e meia beijava levemente a testa de sua senhora. O motorista entrou no ônibus, ligou o motor e os últimos passageiros entraram.
Para minha surpresa o casal se despediu na porta e a doce senhora calhou de sentar ao meu lado. Não é impressionante a facilidade como algumas pessoas começam uma conversa com um estranho? Não sei como, mas essa senhora passou a me contar sua vida. Descobri que aquele homem que a acompanhava, fora seu primeiro namorado. Se conheciam a 64 anos. Ela do interior, ele da capital. Trocaram olhares na praça central da cidadezinha que ela vivia e ele visitava. Apaixonados ela consentiu que ele pedisse a sua mão em namoro ao seu pai, e assim começaram a se conhecer. Durante oito anos trocaram cartas semanalmente, mas sendo os dois de origem humilde e os tempos difíceis, se viam por apenas alguns dias a cada seis meses, mesmo assim era namoro de pegar na mão e olhe lá, fez questão de resaltar essa senhora com um risinho de quem sabe o que acontece hoje em dia. Ela me contou tudo, todas as felicidades e sofrimentos de sua vida. Todas as vezes que ela falava de seu marido eu podia ver em seus olhos o brilho da mesma menina que o conheceu.
Nos despedimos e fui para casa disposto a encontrar a mulher da minha vida. Queria viver um amor assim, esperaria o quanto fosse necessário. Escreveria cartas ao invés de e-mails para que nosso amor pudesse ser encontrado em uma caixa de sapatos por nossos netos. Ao chegar em casa, ainda com os olhos marejados de lágrimas contei tudo que havia ouvido. Como resposta, escutei que naquele tempo era assim mesmo, os homens namoravam santinhas mas viviam em bordeis. Que a pobre senhora devia ter sido enrolada a vida toda. Enxuguei o pouco de lágrima que restava em meu rosto e disse que ela tinha razão. Seus olhos não tinham mais o brilho da menina que conheci.