quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Brilho no olhar

Voltava para casa após uma longa e cansativa viagem de trabalho. Para melhorar meu humor, a única poltrana livre no ônibus era a de número três, aquela que fica colada no pescoço do motorista. Não só me irritava a posição da poltrona, como saber que o ônibus estaria lotado me fazia visualizar crianças chorando e pessoas felizes conversando alto. Me contentei com a sorte de estar longe do banheiro. Este com certeza se tornaria tão cheiroso quanto Paris no século XVIII em menos de cinco minutos de viagem.
Sentei em meu lugar e por não ter nada que fazer fiquei sorrindo para as pessoas que entravam. Notei que lá fora, um casal de aproximadamente 80 anos conversava de mãos dadas e o marido volta e meia beijava levemente a testa de sua senhora. O motorista entrou no ônibus, ligou o motor e os últimos passageiros entraram.
Para minha surpresa o casal se despediu na porta e a doce senhora calhou de sentar ao meu lado. Não é impressionante a facilidade como algumas pessoas começam uma conversa com um estranho? Não sei como, mas essa senhora passou a me contar sua vida. Descobri que aquele homem que a acompanhava, fora seu primeiro namorado. Se conheciam a 64 anos. Ela do interior, ele da capital. Trocaram olhares na praça central da cidadezinha que ela vivia e ele visitava. Apaixonados ela consentiu que ele pedisse a sua mão em namoro ao seu pai, e assim começaram a se conhecer. Durante oito anos trocaram cartas semanalmente, mas sendo os dois de origem humilde e os tempos difíceis, se viam por apenas alguns dias a cada seis meses, mesmo assim era namoro de pegar na mão e olhe lá, fez questão de resaltar essa senhora com um risinho de quem sabe o que acontece hoje em dia. Ela me contou tudo, todas as felicidades e sofrimentos de sua vida. Todas as vezes que ela falava de seu marido eu podia ver em seus olhos o brilho da mesma menina que o conheceu.
Nos despedimos e fui para casa disposto a encontrar a mulher da minha vida. Queria viver um amor assim, esperaria o quanto fosse necessário. Escreveria cartas ao invés de e-mails para que nosso amor pudesse ser encontrado em uma caixa de sapatos por nossos netos. Ao chegar em casa, ainda com os olhos marejados de lágrimas contei tudo que havia ouvido. Como resposta, escutei que naquele tempo era assim mesmo, os homens namoravam santinhas mas viviam em bordeis. Que a pobre senhora devia ter sido enrolada a vida toda. Enxuguei o pouco de lágrima que restava em meu rosto e disse que ela tinha razão. Seus olhos não tinham mais o brilho da menina que conheci.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Primatas

Tenho profunda admiração pelas comunidades formadas por macacos bonobos. São a espécie mais pacífica entre os outros primatas. A explicação pra isso? Sexo. Esses macaquinhos chegam a ter mais de 15 relações sexuais ao dia. Quando grupos de comunidades distintas se encontram, ao invés das esperadas brigas que acontecem em outras sociedades, os bonobos comemoram o encontro com grandes orgias.

Foi pensando nos bonobos que me lembrei da história que passo a narrar. Primeiramente preciso esclarecer alguns fatos: A história que será contada não aconteceu comigo e sim com um amigo meu. Não vou buscar termos mais delicados para a narrativa, por isso, é bom tirar as crianças da sala. Uma vez dados os avisos necessários lá vamos nós.

Filho de um conceituado pastor evangélico, esse amigo é sem dúvida o mais pervertido de todos os amigos que já tive. Não uso a palavra pervertido com o intuito de denegrir a imagem dele, apenas preciso dar lhes uma idéia rápida do perfil do rapaz.

Aos 15 anos, ele era responsável pela primeira vez de quase todas as meninas que conviviam conosco. Bem dotado de falo e de lábia, a frase que mais usava com as garotas era algo do tipo: "Se me ama de verdade, você vai até o final". Ele nos contava isso rindo. Brincávamos dizendo que ele era o tipo de cara que se pudesse encoxava a mãe no tanque, nunca tive dúvidas sobre isso.

Embora tivesse possuído centenas de mulheres nos anos seguintes, uma insistia em não ceder a suas investidas. Filha de outro conceituado pastor, a santinha, como era conhecida em sua comunidade nunca lhe deu muita atenção. Moça bonita, de modos delicados e sorriso singelo, conquistou o coração do nosso cavalheiro. Determinado a conquistá-la, deixou de lado a vida promíscua, tirou o pó do paletó e durante um ano frequentou a igreja todos os dias. Converteu-se verdadeiramente e por obra divina a moça finalmente cedeu aos seus encantos.


Na primeira noite juntos, Enquanto nosso herói procurava possui-la cheio de cuidados para não machucá-la, nossa donzela já um tanto quanto impaciente, lhe disse em alto e bom tom: "COSPE".

E pensar que ainda existem aqueles que não acreditam na nossa semelhança com os outros primatas...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Semi Ateu? (parte 2)

Embora me julgasse livre, muitos dos conceitos cultivados em casa foram se pregando em minha personalidade como trepadeira no xaxim. Se soubesse o trabalho que despregar isso me daria, teria me esforçado em aceitar sem questionar. Não digo que sofri muito, mas um pesinho na consciência volta e meia aparecia. Durante anos precisei me questionar sobre o que fazia ou não sentido.
Hoje, segundo meus últimos cálculos, sou um semi - ateu. Não pesquisei se essa denominação existe, mas acho que é um termo apropriado para a minha situação. Não acredito em quase nada, mas também não posso afirmar que nada existe. Acho que ser semi ateu é um tipo de garantia, um pouco covarde é verdade, mas vai que o mundo acabe e tudo era verdade? Nesse caso, eu teria ao menos uma chance de me explicar...
Acho que uma das minhas únicas certezas sobre fé estão baseadas quanto ao fim do mundo. Não foi preciso me basear em nenhum livro sagrado, bastou analisar com um pouco de atenção as atrocidades que já foram cometidas em nome de algum Deus nesse nosso mundo.
Assumir isso ainda hoje exige uma certa coragem. Afinal, se as coisas não mudarem, é bem provável que em breve as fogueiras da inquisição queimem esse herege que vos escreve.

Semi Ateu?

A primeira lembrança que tenho sobre a religião em minha vida, é a imagem das minhas irmãs me agarrando e forçando a beijar uma santinha de "Nossa Senhora". Esse ritual se repetia todas as noites antes de dormirmos. Era preciso beijar a santinha algo entre 10 ou 15 vezes. Enquanto eu não fizesse isso, elas não me deixavam dormir. Partir para a briga era sempre uma opção desastrosa. Além de apanhar das duas, ainda apanharia de papai, pela bagunça no quarto aquela hora. Beijava a bendita, e com um ódio mortal adormecia.
Lembro me vagamente de algumas procissões e de ter acompanhado minhas irmãs em algumas poucas aulas de catecismo. Saber que dentro de alguns anos seria obrigado a fazer aquelas aulas me deixava apavorado, mas mesmo usando de toda a minha sabedoria infantil, não conseguia encontrar uma saída para isso.
A parte boa eram as viagens anuais a cidade de Aparecida do Norte. A rua toda se transformava na noite anterior. Vizinhos entrando uns nas casas dos outros, emprestando malas, tratando de decidir quem faria o Cuscuz e quem seria responsável belo bingo jogado dentro do ônibus. Uma aventura que qualquer criança de 6 anos não perderia por nada. O único inconveniente é que por ser pequeno, era obrigado a dividir um banco de dois lugares no ônibus, justamente com minhas irmãs. Pra melhorar a situação, elas sempre me acordavam ao passarmos em frente a uma fábrica de caixões e ficavam me contando histórias sobre as inúmeras cruzes que viamos na estrada.
A cidade estava sempre lotada, e era um verdadeiro inferno chegar até dentro da igreja. Pelo que eu entendia na época, esse sacrifício já fazia parte do processo de pagar os pecados. Que pecados? Acho que o meu maior pecado até então era o de odiar ter que participar de tudo aquilo. Não é preciso dizer que dormia durante toda a missa. Na verdade, passava por tudo aquilo com uma certa indiferença. Ficava apenas desperto e empolgado com o sorvete de "Itu" que mamãe sempre comprava pra gente e com a sala dos "milagres", um espaço onde as pessoas deixavam capacetes, pernas e braços de gesso, cabelos e uma enormidade de outras quinquilharias referentes aos "milagres" alcançados. Aquilo sim era diversão.
Lembro me também de uma senhora que mamãe visitava, e que dava "passes" mediúnicos. Uma vez, estando eu um pouco febril, mamãe aproveitou para que ela me desse um passe também. Perguntei a minha mãe o que era aquilo. Não lembro da explicação, mas lembro dela ter dito algo sobre a pessoa conseguir saber o que tínhamos e o que pensávamos. Fiquei apavorado, já que tudo que havia pensado durante o passe foi "Que merda é essa?".
Com 11 anos, o momento de ter que fazer o curso de catequese se aproximava, e ainda não havia descoberto um jeito de me safar. Foi nesse ano que mamãe ficou muito doente durante vários meses. Pela primeira vez fiz um pacto com a bendita santinha. Já havia beijado a pobrezinha durante vários anos, e se ela curasse a mamãe faria o curso de catequese e a beijaria por toda a minha vida. Com um rosário na mão me ajoelhei algumas vezes ao lado de minha mãe na cama, e chorando muito, lhe pedi que me ensinasse novamente a rezar o pai nosso e a ave maria que nunca conseguia decorar.
Felizmente alguns meses depois mamãe recuperou-se bem, no entando nossa familia agora havia passado de católicos-kardecistas para protestantes. Todo um mundo novo de conceitos religiosos adentrou a nossa casa. Papai jogou fora, ainda que sobre protestos de minhas irmãs, todos os tipos de santos que tinhamos em casa. Umas senhoras bem humoradas, da nova igreja passaram a nos visitar todos os dias nos ajudando nos cuidados que mamãe ainda necessitava e enquanto faziam as tarefas da casa cantavam uns hinos com belas melodias. Estava gostando bastante daquela mudança, além de não ter mais que beijar santa alguma e estar finalmente livre da catequese, a casa agora vivia cheia de visitas e com música. A minha felicidade durou até saber que nós não comemoraríamos mais o natal, não iríamos mais a praia e a televisão estava correndo um sério risco de ser extinta em nosso lar. Pelo que entendi na época, os costumes dessa nova igreja eram muito mais estranhos e severos que na antiga. Papai passou a me acordar cedo aos domingos para o culto de jovens. Um povo estranho, meninos da minha idade usando terno em pleno domingo de sol e meninas com cabelos gigantescos. Mal havia escapado da catequese e já me via as voltas com outro martírio.
Costumo dizer que a música foi minha salvação. A Banda onde comecei a estudar trompete tinha ensino gratuito, porém a participação nos ensaios aos sábados durante todo o dia e domingos pela manhã era obrigatória. Novamente as opções não eram o que exatamente podemos chamar de boas: 1 hora e meia sentado dentro de uma igreja com a bíblia na mão ou 4 horas marchando no sol subindo e descendo as ladeiras da cidade de Mauá. Casualidade ou não, em menos de um ano havia me tornado um dos mais dedicados trompetistas daquela coorporação musical.
Os anos que se seguiram foram surpreendentemente calmos. Embora questionasse com certa ironia algumas contradições na nova religião da minha família, a banda ocupou de tal maneira o meu período de adolescente, que nós não tivemos maiores atritos. É claro que minhas irmãs novamente tentaram me enfiar a nova educação religiosa goela abaixo, mas estando agora maior, as brigas fisícas não eram tão desiguais e eu ainda levava vantagem ao poder me agarrar em seus cabelos compridos. Normalmente elas desistiam quando eu dizia que preferia beijar a santinha. Encandalizadas, pediam perdão por mim em suas orações.
(continua)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Meus avós

Nunca tive avós. O leitor mais atento perceberá que esse texto já começa errado, afinal, qualquer ser humano vivente ou que já viveu por esse planeta já teve avós, antes disso bisávos e antes disso tataravós. Assim sucessivamente até chegarmos em Adão e Eva, ou para os mais esclarecidos em algum casal de primatas peludos. O que quis dizer é que nunca os conheci. Corrigiria o texto, mas isso hoje não me apetece.
Minha avó partena foi a primeira a falecer, quando papai ainda contava seus 5 anos. Meu avô materno, foi o segundo. Mamãe havia acabado de fazer 16 anos. Filha única, teve de arcar com a responsabilidade de sustentar a casa e cuidar de uma mãe abatida pela viuves e as tradicionais doenças que acompanham a idade. Se não estou enganado, meu avô paterno é o terceiro nessa lista fúnebre. Em época onde as distâncias eram realmente distantes, parece que papai recebeu a notícia acompanhada com uma foto de meu avô deitado no caixão. Descobri mais um erro no texto. Eu conheci sim, pelo menos um dos meus avós. Minha avó materna faleceu quando eu tinha 6 meses de idade. O fato de eu não lembrar, não me permite dizer que não há conheci. Sinto muito digníssimos leitores, mas como disse antes, a correção de texto não será feita hoje.
Durante algum tempo, tentei buscar com meus pais algumas informações para que pudesse formular, nem que fosse um simples esboço, da personalidade dos meus avós. Consegui algumas coisas, mas acho que o medo de magoá-los com essas lembranças me impediu de ir mais fundo em minhas investigações. Acho que mesmo que conseguisse maiores informações eu não alcançaria meu real desejo. Não tinha o interesse em descobrir grandes feitos realizados por meus ancestrais, tão pouco me seria útil uma análise de pedigree. O que eu realmente gostaria de saber era o que pensavam eles sobre os mais diversos assuntos. Quais sonhos tiveram? Será que os realizaram? Se consideravam felizes ao final da vida? Haviam questões que os intrigavam? Infelizmente estas questões permanecerão sem resposta.
Embora não tenha a pretensão de ter filhos logo, espero que eles possam fazer essas e outras perguntas aos seus avós. Por via das dúvidas vou deixando meus pensamentos por aqui aos netos que um dia vier a ter.

O Homem das chaves

Tinha estudado muito e resolvi dar uma caminhada. As ruas do bairro Bom Fim em Porto Alegre são muito agradáveis pra isso. Uma quantidade razoável de árvores e nessa época do ano encontramos uma enorme quantidade de florzinhas roxas caídas no chão.Ando razoavelmente distraído nesses passeios, não é muito difícil não pensar em nada absolutamente, ou em coisas vagas e normalmente volto a estudar bem relaxado mas sem nenhuma lembrança especial.
Esse dia foi diferente. Quase no fim do passeio me deparei com um homem alto e negro, com cabelos "rastafari". Não estava bem vestido, mas deixava a dúvida se era um morador de rua ou um cantor de reggae, inclusive, seu andar podia perfeitamente ser acompanhado por uma trilha com esse estilo. O que realmente me intrigou foi que esse homem possuía um molho de chaves gigantesco em suas mãos. Durante alguns minutos fiquei pensando o que faria esse indivíduo com tantas chaves na mão. No fim pensei: Tantas chaves e tantas casas. Essas chaves não abrem as portas que aqui estão e esse homem com todas elas dificilmente deve ter um lar. Ele virou a esquina no caminho contrário e eu segui o caminho de volta aos meus estudos. As vezes ainda lembro do som das chaves.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Algumas camisinhas com estória pra contar

Comprei minha primeira camisinha com 14 anos. Na verdade foram minhas primeiras, afinal, já naquela época as camisinhas vinham em pacotinhos de 3 unidades. Tudo bem que o significado da palavra transar não estava exatamente claro em minha mente, mas o primeiro passo fazia-se necessário e lá fui eu estrada a fora com o bendito pacotinho dentro da mochila. Eu tinha uma amiga famosa por sair com todo mundo e um plano perfeito; levaria a menina para a casa de um amigo e lá tudo seria muito simples e fácil, afinal a garota já tinha muita experiência, ou ao menos era o que se dizia na vizinhança. Acontece que a mocinha liberal calhou de ser liberal com todo mundo, menos comigo. Não bastasse essa frustração, as camisinhas acabaram sendo encontradas pela irmã mais velha do meu amigo e nós dois ainda tivemos que responder a um verdadeiro inquérito sobre nossas opções sexuais.
Na faculdade, já dotado de conhecimento suficiente para reconhecer a marca de uma camisinha pelo tato, fui testemunha do fato mais espantoso envolvendo camisinhas em minha vida. Havia chegado da aula e um amigo que dividia apartamento comigo perguntou se eu não tinha algumas camisinhas para lhe emprestar. Emprestei-lhe um pacotinho com a felicidade que os homens têm ao fazer esse ato grandioso de generosidade. Não fiz muitas perguntas, apenas um tapinha no ombro, um “Boa festa” e fui cuidar da vida. No café da manhã os outros dois amigos que dividiam a moradia conosco comentavam sobre também terem emprestado camisinhas a ele. Fizemos as contas e nosso Don Juan estava de posse de nove preservativos. Corremos até seu quarto, escutamos seu ronco, e batemos. Ele estava sozinho e pela primeira vez abriu a porta com um olhar de tranqüilidade. Espantados, nos demos conta de que ele USOU nove camisinhas em uma noite...
O cão é realmente o melhor amigo do homem, exceto é claro se ele for o cachorro da mulher com quem você estiver passando a noite. Bom, depois de muito latir para mim, o bichinho se acalmou, mas não desgrudava do meu pé. Era eu beijar a moça e lá vinha o totó pra cima da gente querendo brincar. No começo é até divertido, você faz uns carinhos nele e tal, mas uma hora depois você está olhando pela janela de um apartamento no 10° andar para verificar se a altura é suficiente para matá-lo. Não pensem que eu faria isso de qualquer maneira. Esperaria a moça ir ao banheiro e pronto, lá iria o cãozinho brincar de super cão. Calma, foi apenas um desejo, e mesmo que quisesse realizá-lo a moça não parecia muito interessada em ir ao banheiro. Levantamos da sala e fomos para o quarto. Pronto, agora estou livre, pensei. fechei a porta e em seguida escutamos crash, crash, crash seguido de latidos esganiçados. Ela me explicou que o bichinho não ficaria quieto sabendo que estamos do lado de dentro. Abri a porta e olhei pro cão pulando de felicidade, sim, a essa altura ele já me considerava seu melhor amigo, e olhei de volta para dona. Devo ter feito esse movimento umas quinze vezes enquanto pensava se deveria ir embora ou aceitar um cão como voyeur. Ele incrivelmente se comportou muito bem e encostou-se num canto do quarto enquanto eu e sua dona fazíamos coisas que ele provavelmente não estava familiarizado. (pobres poodles de apartamento). Confesso que durante o ato, eu dava umas olhadas pra ver se o bichinho não estava me encarando, pra minha felicidade em todas as vezes ele dormia. Ficou tudo tão calmo que nos esquecemos do cãozinho. Bom, mas essa é uma história sobre camisinhas ou uma novela canina? Você deve estar se perguntando. Então, pulemos a parte das horas de sexo selvagem e vamos direto ao ponto em que exausto, eu retiro a camisinha, dou aquele famoso nozinho e coloco no chão ao lado da cama. Estamos abraçados, curtindo a tranqüilidade dos bons amantes quando escutamos um ruído estranho, um barulhinho de plástico.- O que seria isso? Perguntei.- Deve ser o totó roendo alguma coisa. Respondeu ela– A CAMISINHA. Gritamos juntos. Levantei em um pulo, mas era tarde de mais. Totó havia engolido milhares e milhares de meus descendentes. A dona do bichinho passou a semana inteira de olho no cocô do totó, afinal seria difícil de convencer seus pais de que totó, de um dia para o outro tinha desenvolvido um sistema de cagar direto no saquinho plástico.

sábado, 8 de agosto de 2009

Mentira


Declaro que a partir de hoje mentirei com mais frequência. Se possível, sempre. Se possível, por que existem casos onde a verdade parece mentira, então, cercado de tantas mentiras, ao dizer esse tipo de verdade as pessoas verão que eu minto de vez enquanto.Veríssimo tem razão, mentimos pro bem da humanidade. Eu, como sempre, é que demorei para entender. Quando era pequeno mamãe perguntava por que não queria ir a escola.- PORQUE NÃO GOSTO, respondia e virava para o outro lado, na esperança de que me deixasse dormir. Ela, que sempre fora a melhor aluna de suas turmas, sentia a terra se abrindo e via todo o brilhante futuro que sonhara para seu rebento virando pó. Isso me doia, mas sempre fui um garoto de princípios.
Papai tinha tino para os negócios. Na esperança de que eu tomasse gosto pelo comércio, me levava em suas andanças. Certa vez, um possível comprador do carro que vendíamos fez a pergunta:- Faz tempo que o senhor possui esse carro?- Sim, já tem um tempo.- Não papai, esse carro você comprou semana passada. E olhando para o comprador disse - Eu mesmo ajudei meu pai a lavá-lo e passei pretinho no pneu, ficou bom né? Aí foi encerrada minha pequena participação nos negócios da família.
Com música não foi diferente. Como tinha uma certa facilidade em vista dos outros que comigo começaram a estudar, replicava toda vez que algum deles reclamava da dificuldade.- Não é não, é fácil. Faz assim...Para a minha sorte, alguns anos depois encontrei a tal dificuldade. Feliz com ela, pude conviver muito bem entre meus amigos. É claro que até hoje sempre sofri com as perguntas sobre o que achava de fulaninho de tal, cicrano de não sei o que. Se não gostava, dizia claramente. Quantos e quantos concertos saí em disparada logo após o término, evitando assim o encontro com algum conhecido e fugindo da temível pergunta: Então, gostou?
Com as mulheres, desastre total. Em princípio diziam admirar minha sinceridade. Se sentiam seguras ao saber que no caso de existirem outras mulheres eu não esconderia esse fato. Alguns meses depois choravam e perguntavam como eu poderia ser tão cruel, afinal a produção de seus cabelos havia sido feita por "Ditinho di Maküi". O que eu podia fazer se parecia um pé de coqueiro?
Mas a partir de hoje vida nova meus caros. Já consigo me ver dentro de mansões, iates, na "high society" onde minhas belas mentiras hão de me levar. Será uma vida falsa, mas cheia de prazeres. Como não sou de ferro as vezes soltarei uma verdade cruel, em tom cômico é claro, sobre a vidinha de merda que levamos, e a estonteante mulher de cabeça vazia que estará ao meu lado, certamente irá gargalhar alto, fazendo, com o mesmo efeito do bocejo, que todos riam junto e eu finalmente possa sorrir um sorriso sincero.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Um brinde aos incompetentes

Enquanto os competentes dedicam toda sua vida a fazer com extremo afinco e constante busca pela perfeição aquilo que se propoem a fazer, eles, os aqui chamados incompetentes, passam a vida na mediocridade.
Nunca foram os melhores ou tão pouco os piores em seu meio. Ser o pior exige um tipo de destaque que não lhes cabe na personalidade.Ao contrário dos Imãs, os iguais incompetentes se atraem. Não para criar algo de valor, mas apenas para se defenderem caso algum competente engraçadinho resolva aparecer. Na verdade, nesse momento os incompetentes até conseguem ser um pouco competentes, já que não há pessoa competente que seja capaz de sobreviver a tamanha incompetência instaurada. O competente então se afasta, se isola e dependendo do grau de desenvolvimento até mesmo se questiona se não há algo errado com sua competência.
As vezes, com um pouco de sorte, alguns competentes exilados conseguem se encontrar. Reclamam da situação caótica criada pelos incompententes. Cada um apresenta sua versão indignada e quase espumante das injustiças sofridas, dos erros banais cometidos e da falta de perspectiva de um mundo livre desses seres. Ao fim da conversa um dos competentes balança os ombros e diz algo parecido com um "É assim mesmo" e todos voltam para suas ilhas sem nada resolver.Assim, vejam a irônia das coisas, se é que isso é irônico. Os incompetentes são salvos pela incompetência dos competentes.

sábado, 18 de julho de 2009

Vou sentir falta dela

Tivemos um relacionamento de um ano. Como em muitos dos meus relacionamentos, no começo eu relutei em aceitá-la. Em muitas manhãs, despertava decidido a me livrar dela, acabava machucando-a e com dó de mim mesmo, desistia e a aceitava. Sempre fui acomodado com essas coisas, então resolvi conviver com ela. Alguns amigos mais próximos chegaram a me questionar sobre sua persistência em continuar comigo. Sem uma resposta exata, apenas dizia que havia me acostumado com ela. Assim, convivemos diariamente por um ano. Poderia dizer que quase pacificamente, não fosse ela me lembrar de sua existência todos os dias eu certamente não teria decidido me livrar definitivamente de sua companhia.
Aproveitei o momento de férias, de modo que não seria necessário dar muitas explicações aos amigos que ainda me preocupo em dar explicações e simplesmente a arranquei de minha vida. Sinto falta dela, mas estou seguro que fora a decisão mais correta a ser tomada.

O laudo da biópsia ainda não está pronto, mas a danada dessa verruga me custou algumas lágrimas e três pontos no nariz.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Compreensão

Olhou para o relógio, Gabriel estava atrasado. A reunião mal havia começado e as coisas não iam nada bem. Indignado, Lúcifer pedia a completa destruição da humanidade. Em menos de 15 minutos, uma enorme quantitade de provas fora apresentada. A diferença entre essa e as outras vezes em que isso havia sido pedido, é que pela primeira vez a maioria dos que estavam presentes concordavam com ele.

Embora estivesse propenso a aceitar o pedido, Deus com a cabeça voltada para cima e de olhos cerrados, cruzava os dedos para que uma luz lhe clareasse as idéias. Nesse exato momento, Gabriel abriu a porta e um pouco ofegante, pediu desculpas pelo atraso. Não havia conseguido nada que justificasse a continuidade da existência dos seres humanos no planeta. Lúcifer, sorrindo, deu um abraço em Gabriel e beijando lhe o rosto disse estar feliz por ele finalmente ter compreendido. Gabriel, também sorrindo, disse ter apenas um pedido a fazer;

- Gostaria que você e papai me acompanhassem nessa última noite.
- Claro, para onde você quiser ir meu irmãozinho. respondeu Lúcifer.

Deus olhou para os dois. Estava certo de que Gabriel tramava algo, mas decidira participar como observador.


Gabriel lhes informou que iriam a um concerto. Todos sabiam que ele havia sido um exímio trompetista na época em que a humanidade ainda não existia, mas fora obrigado a deixar seu instrumento de lado ao assumir a direção executiva do céu. Mesmo muito ocupado, acompanhara sempre a evolução musical na terra. Naquela noite, uma prestigiosa orquestra na cidade de Lucerne - Suiça tocaria seu compositor predileto; Gustav Mahler.

Deus ficou contente com a idéia de assistir em pessoa a um concerto. Logo adquiriu a figura de uma menina de 12 anos com traje próprio para a ocasião. Lúcifer, que não era muito chegado a música, optou também pela figura feminina. Uma mulher de 30 anos, linda como quase nunca vista. Com o habito de enfernizar a todos, levou duas longas horas para se arrumar. Após ver a imagem de Lúcifer e Deus, Gabriel transformou-se em um belo homem vestindo terno. Assim, nossos três personagens sairam céu afora.

Devido ao atraso de Lúcifer, quando chegaram a Lucerne a orquestra acabara de tocar o 5 movimento da 3 sinfonia de Mahler. Um pouco triste com isso, Gabriel ainda fora obrigado a realizar alguns pequenos milagres para conseguir três bons lugares. Mal haviam sentado o 6 e último movimento começou.



Deus, atento a todos os detalhes, olhava para Gabriel e Lúcifer e sorria. Gabriel, com os olhos fechados, absorvia aqueles sons iniciais. Quem o observasse pensaria que ele rezava enquanto ouvia música. Lúcifer permaneceu indiferente, na verdade, aquelas cordas tocando pianíssimo e lento lhe estavam deixando completamente entediado. Os 4 primeiros minutos foram uma eternidade para ele, até que algo estranho aconteceu. Um solo de oboé e outro de trompa o fizeram sentir uma dor estranha. Lúcifer, acomodou-se melhor na cadeira e passou a prestar mais atenção a música.


Ainda sem compreender a dor que sentia, Lúcifer esquecera toda a felicidade que estava sentindo com sua vitória. Não conseguia aceitar, que aqueles humanos, todos pecadores, pudessem causar sensação tão estranha em seu peito, ao mesmo tempo não conseguia parar de ouvir.



Ao final da sinfonia, Lúcifer chorava copiosamente. Buscou Deus com seus olhos, e viu uma menina brincando de reger uma orquestra imaginária. Gabriel, sorrindo, deu lhe um abraço e beijando lhe o rosto disse estar feliz por ele finalmente ter compreendido.

Assim, nossos três personagens sairam terra afora. Gabriel e Lúcifer de braços dados e Deus caminhando como se pulasse amarelinha.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Pequenas loucuras

Após três dias de completo confinamento descobri algumas coisas interessantes.

Não sou tão maluco quanto imaginava. No entanto, o grau de loucura encontrado ainda não é bem visto pela sociedade. Ou seja, sou mais um excluído, faço parte de uma minoria. Ao constatar esse triste fato resolvi "sair da gaveta". Já que os gays saem do armário achei mais prudente um louco sair da gaveta. Não é uma questão de preconceito, apenas uma necessidade de espaço mesmo. Uma questão me apareceu enquanto escrevia: De onde devem sair os malucos gays? Acho que a gaveta de um armário é uma boa saída...

Desconsidero aqui as loucuras clássicas: Falar sozinho, andar só no quadradinho da calçada (e variantes) e etc.
Mas como disse antes, não sou tão louco como gostaria de ser. As minhas loucuras são um pouco sem graça.

Exemplos:

Quando estou vendo tevê e alguém vai passar por uma situação que eu sentiria vergonha sou instigado a mudar de canal e preciso argumentar para mim mesmo que isso é uma bobagem. Se estou sozinho acabo mudando de canal.

Odeio chegar depois de todo mundo e ter que cumprimentar pessoa por pessoa.

Toda vez que estou em um metrô meu trompete corre sérios riscos, fico imaginando o que aconteceria se o jogasse na plataforma segundos antes do trem chegar. O mesmo acontece em pontes e edifícios pequenos, se for muito alto não vou poder ver de perto o estrago. Acho que o som do instrumento sendo destruído me atrai. Ainda na área musical tenho vontade de arremessar um bocal na cabeça de um maestro. Na verdade a cena seria a seguinte: a orquestra tocando em pianíssimo, todos aguardando o "dolce" solo de trompete e eu fortemente toco algo parecido com mariachis. Depois disso jogo o bocal no maestro. É claro que isso só faz sentido se todos permanecerem sentados em seus devidos lugares.

Descobri que realizei quase todas minhas fantasias sexuais. Só ficou faltando transar com a mulher maravilha (daquele seriado da década de 70) mas fiz as contas e ela passou da idade máxima permitida para participar de qualquer fantasia.

Mudei meus critérios de seleção feminina, mas o 1ª regra permanece a mesma.

- Nunca fique com uma mulher com mais bigode que você. Infelizmente essa regra só foi instaurada após meus 20 anos... ARGH

Após todas essas reflexões apenas uma questão insiste em martelar minha cabeça:

Qual será o motivo de tantas mulheres gostarem de esmalte vermelho?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Buzinas

Ela havia começado a trabalhar na empresa ferroviária havia pouco menos de um mês. O trabalho era árduo, mas como tudo ainda era novidade, ela o fazia com muito prazer. Já habituada aos andamentos daquela estação, a única coisa que a intrigava eram as constantes buzinas que soavam a poucos metros dali. Embora estivesse certa de que era uma locomotiva, ela desconhecia o fato de que alguma delas pudessem emitir tamanha quantidade de sons. Questionou entre suas novas colegas de trabalho, e uma senhora com quase 30 anos de casa lhe informou que não se tratavam de buzinas. Eram os sons de instrumentos musicais que vinham da construção ao lado. Uma orquestra ensaiava ali.

Nossa amiga ficou admirada. Nunca havia ouvido falar de uma orquestra, mas com esse nome sabia que só poderia se tratar de algo grandioso. A mesma senhora lhe explicou o que era, como funcionava e disse ainda que a orquestra que trabalhava ao lado delas, era tida como a melhor do país. Ela não podia se conter de felicidade. Seu primeiro emprego ao lado de tão prestigiosa organização.

Passou a esperar suas pausas com enorme expectativa. Todos os dias, sons distintos e belos lhe chegavam ao coração. Ela sonhava em poder assistir a um concerto, mas sabia ser impossível. Resignada, voltava ao trabalho suspirando e cantarolando em sua mente algumas melodias que acabara de escutar.

Um belo dia, uma grande surpresa. Um cartaz anunciava a apresentação de um pequeno grupo de músicos dessa renomada orquestra em uma de suas estações de trabalho. Conversou com suas amigas e arranjou para que estivesse presente naquele momento.

Pela primeira vez podia ver e ouvir de perto aqueles sons que tanto a encantavam. Ficou quietinha, observando todos os detalhes. O prazer com que eles pareciam trabalhar e a felicidade que transmitiam lhe renovou todos os ânimos. Ao final, enquanto todos aplaudiam, nossa amiga não se conteve, e com duas fortes apitadas, despediu-se dos artistas e prosseguiu com seu trabalho de locomotiva.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Casualidade

Cientista renomado, havia passado toda sua vida adulta dentro daquele laboratório. Gênio, de poucos amigos e histórico de relacionamento amoroso inexistente, possuía inúmeros tipos de TOC – transtorno obsessivo compulsivo. Suas anotações eram todas feitas em código, criado por ele mesmo aos 11 anos de idade. Desde criança sabia ser dotado de enorme inteligência e, ainda nesse período, resolvera contribuir de maneira significativa para a humanidade. Buscava a cura do câncer.

Nosso herói olhou o calendário em cima da bancada e fez a conta. 21 dias desde a última vez que sentiu a luz do sol batendo em seu rosto. Descabelado, a barba rala e fedendo, só não era confundido na rua como mendigo, por seus trajes ainda brancos. Finalmente a solução fora encontrada. Como em outras famosas descobertas, a resposta estava diante de seus olhos todo o tempo, mas isso já não importava. Era preciso espalhar a notícia.

Contar para quem? Seus poucos amigos estavam também trancados em outros laboratórios em suas buscas individuais, quaisquer outros não alcançariam compreender o caminho percorrido por ele. Absorto em seus pensamentos enquanto caminhava, nosso herói foi atropelado.

Modelo internacional, havia passado toda sua vida, desde a adolescência em cima das passarelas. Constantemente badalada, vivia cercada por pessoas que sabia pouco além do nome. O trabalho extremamente desgastante tinha suas recompensas. A pequena fortuna que havia acumulado lhe servia de estímulo.

O médico tentou suavizar a notícia perguntando-lhe sobre suas crenças religiosas. Não havia nada a fazer. Dias, alguns meses no máximo. Em sua cabeça, a voz do homem de jaleco que estava a sua frente ecoava com a palavra sinto muito. Ela precisava de alguém que a abraçasse, mas quem?

Entrou em seu carro e ao sair do estacionamento atropelou um homem.

O choque não foi forte, mas o som do crânio batendo no meio fio pode ser ouvido à distância. Desesperada, saiu do veículo e se ajoelhou ao lado do corpo estendido. Sem nenhuma outra reação, o colocou em seu colo e chorou acariciando o rosto pálido do homem desconhecido.

terça-feira, 30 de junho de 2009

O Dia em que papai salvou Jesus

Em uma manhã qualquer na década de 80 um grupo de comissários de menores subia um dos inúmeros morros da cidade de Mauá. A missão era de rotina, a busca de um menor infrator. O frio e a garoa fina não impediram que as donas de casa saíssem aos portões para acompanhar a movimentação. Esses cavalheiros, vestindo terno e gravata, educados e atenciosos, representavam para essas pessoas a idéia de que o estado não havia lhes abandonado completamente. Dessa forma os comissários descobriam o possível paradeiro do menor e quaisquer outros problemas que por ali aconteciam. O chefe da equipe, atentando ao fato de que próximo dali ouvia um choro constante, perguntou sobre o que acontecia. Foram informados de que a mãe da criança que chorava, costumava trancá-la enquanto saia para as festas de carnaval.
O barraco tinha pouco mais que 4 metros quadrados. A janela estava fechada impossibilitando a visão interna. A frente da única porta, um vira latas ameaçava atacar qualquer um que se aproximasse da casa. Depois de algumas tentativas, a porta foi arrombada. O primeiro a entrar foi o mesmo senhor que havia atentado para o choro. No chão próximo a porta, uma linda criança, cabelos loiros cacheados, olhos claros de aproximadamente 3 anos havia parado de chorar, e agora sorria ao ver uma figura humana. A criança estava nua e suja com suas próprias fezes. No canto direito, outra criança, com uns 7 anos, amarrada em uma cadeira. Pés juntos, braços abertos e a cabeça caída para o lado. Após anos trabalhando como comissário de menor, habituado ao trabalho armado e a lidar com todo o tipo de situação nosso herói da justiça sentiu em seu peito uma dor jamais sentida. Engoliu seco, como a profissão exige, ordenou a retirada da criança menor, e ele mesmo desamarrou a outra, carregando-a no colo até a viatura.
Dois dias depois, a mãe das crianças foi ao fórum. Acompanhada da assistente social, a mãe foi levada a sala dos comissários. Um ambiente pequeno, com apenas um armário e uma mesa. Pendurado na parede, um quadro com um pássaro voando e os dizeres “A liberdade não se compra, se conquista”. Sentado atrás da mesa, um senhor de 40 anos, magro e de rosto jovem, apesar dos cabelos completamente grisalhos folheava um processo. Era o chefe dos comissários. Ao saber do que se tratava, a expressão de seu olhar fez com que a mãe começasse a gaguejar. A assistente conhecendo o temperamento desse senhor, se apressou em dizer que a mulher desejava saber quando poderia ver seus filhos novamente. A resposta veio rápida: “No que depender de mim, nunca mais”. O Juiz ordenou que as crianças fossem entregues ao orfanato. A criança loirinha logo foi adotada. Ao irmãozinho mais velho restou a vida entre outras crianças com histórias parecidas.
Alguns anos após o acontecido, um grupo de funcionários do juizado da infância e da juventude foi fazer uma visita as crianças desse orfanato. Entre muitas crianças querendo abraços, beijos e um minuto de atenção uma delas gritou: Tio Balbino! Silêncio entre todas as crianças. O chefe dos comissários de menores virou ao ouvir seu nome enquanto as outras crianças perguntavam ao garoto se ele realmente o conhecia. Claro que conheço o tio Balbino. Ele quem me desamarrou e me deu o apelido de Jesus Cristo. Foi ele quem me salvou.
José Balbino da Silva, servidor público da justiça do Estado de São Paulo, puxou o garoto para um canto, o abraçou e finalmente, após 20 anos nessa profissão se deu ao direito de chorar em trabalho.